Política

Geólogo diz ser preciso ‘bom senso’ ao se tratar tema em RR

Ainda de acordo com o profissional, qualquer alteração referente a áreas e possível exploração delas deve ser feita por meio de uma proposta de emenda constitucional (PEC)

ÉRICO VERÍSSIMO

Editoria de Política

Com a chegada de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República, a exploração mineral começou a ter uma nova abordagem e alimentar perspectivas de empresas e trabalhadores do ramo ao se aventar a possibilidade de flexibilização de uso de propriedades para esse fim, inclusive áreas indígenas, uma das bandeiras levantadas pelo presidente desde a época da campanha. Ele chegou a classificar Roraima como a “menina dos olhos” de seu governo, acreditando que o Estado tem um potencial econômico baseado na mineração. O geólogo Salomão Cruz, que tem 40 anos de experiência na área, discorda das afirmações de Bolsonaro e afirma que é preciso haver “comedimento e bom senso” ao tratar essa questão.

Em entrevista ontem, 27, ao programa Agenda da Semana, da Rádio Folha 100.3 FM, o geólogo destacou ainda que ao presidente não compete discutir sobre áreas indígenas, mas homologá-las ou não, porém com base em estudos que permitam avaliar a possível riqueza dessas terras e o que pode ser encontrado no subsolo.

“Há o Artigo 231 [que trata do reconhecimento dos índios quanto à sua organização social, costumes, línguas e direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam]. Mais de 90% dos recursos estão em áreas indígenas. Então, a fala do presidente [sobre exploração mineral] estimula a invasão. Há critérios que devem ser obedecidos”, ressaltou Cruz.

Ainda de acordo com o geólogo, qualquer alteração referente a essas áreas e possível exploração delas deve ser feita por meio de uma proposta de emenda constitucional (PEC), com pelo menos 3/5 do Congresso.

“Há tramitações que ocorrem desde 1996. São questões ligadas a mineradores. Para qualquer mudança, o presidente tem de ter força política. É uma ilusão que só tem reserva indígena onde há potencial de exploração”, afirmou Cruz, acrescentando que, até a década de 1980, tudo que já existia no País sobre exploração mineral já havia sido estudado.

TEPEQUÉM – Uma das áreas mais “desejadas” por potenciais exploradores de minérios é a Serra do Tepequém, ao Norte do Estado. Salomão Cruz explica que todo o diamante que havia sobre aquela região já foi retirado.

“Tem empresa que está tentando explorar o que está embaixo [da serra]. Tepequém nunca foi vulcão, como dizem. Isso não existiu. Não há mais diamantes lá, já acabou. Melhor mesmo é investir em turismo, a despeito de toda a preocupação acerca de um possível retorno da exploração da terra, do garimpo”, aconselhou o geólogo.

Conhecedor de vários garimpos, tendo implantado um deles, o Santa Rosa, na época do então governador, Ottomar de Souza Pinto, Salomão Cruz diz entender a atividade muito mais como uma questão social do que econômica.

“O garimpo não resolveu a situação de várias regiões. Foi uma questão social nas décadas de 1970 e 1980, que tinha como função ‘acomodar’ as correntes migratórias. Essa atividade traz, mas leva de volta. Ela enriquece, mas empobrece muita gente também”, disse o geólogo.

VIABILIDADE – Ainda segundo Salomão Cruz, é preciso ter cuidado ao tratar de áreas indígenas como potenciais eldorados, como fazem crer os discursos do atual presidente, que chegou a afirmar que Roraima teria potencial para ser o Estado mais rico do Brasil, se não fossem os “problemas indigenistas e ambientais”.

“Ao tratar essa questão [demarcação e exploração], como já afirmei, é preciso que se invista em prospecção agora. Não é possível começar a explorar, viabilizar qualquer área que seja, em menos de 20 anos se não houver estudos. E para se homologar, antes de tudo, é preciso que se revele o potencial do subsolo. Mas, não temos reserva, não temos jazida. Não acredito que a mineração seja solução para Roraima. Estamos entre polos industriais, como o Amazonas e os países vizinhos. Então, investir em tecnologia que forneça matéria-prima para esses possíveis mercados seria mais promissor para o Estado”, avaliou.

PESQUISA PARADA – Salomão Cruz ressaltou ainda durante a entrevista que seu posicionamento não é pessimista, mas apenas tenta retratar a realidade do Estado quando mostra que a mineração não seria o caminho para o desenvolvimento.

“Temos potencial que decorre de conhecimento técnico, não de conversa. O presidente faria um grande favor se promovesse um mapeamento do subsolo das áreas indígenas”, declarou.

Ele salientou que desde 1990 a pesquisa mineral está parada no Estado, com trabalhos esporádicos da Petrobras e de uma empresa privada.

“Roraima e Acre são dois Estados sobre os quais você não pode falar sobre potencial [econômico na área de mineração], pois não há estudos sobre isso. O Serviço Geológico Nacional [CPRM] está inoperante no Estado, fazendo apenas algumas reavaliações, mas sem trabalho de campo”, afirmou, concluindo que não se pode justificar uma atividade econômica, a exemplo do garimpo, a qualquer preço, de “forma aventureira”.